PSEUDOPASSIVAS SINTÉTICAS NO PORTUGUÊS DE ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO DA UNILAB
Eusébio Djú (UNILAB)[1],
Orientador: Prof. Dr. Sérgio de Moura [3]
RESUMO
Neste
trabalho, analisamos o uso da partícula “SE” nas orações “Pseudopassivas
sintéticas” no português de estudantes da Unilab. Acreditamos que, conforme (Bagno,
2001), passivas sintéticas não existem no português brasileiro (PB), daí o nome
“Pseudo”. O nosso intuito foi debruçar-nos neste assunto apreciando
primeiramente estudos normativos e estudos descritivos sobre o tema, leituras
essas que nos permitiram focar ao mesmo tempo a discussão da gramática
normativa sobre o assunto e o contraponto ofertado pela análise sócio descritiva
do fenômeno. Além disso, analisamos também a intuição do falante do português
através de testes de gramaticalidade aplicados aos estudantes de graduação da
UNILAB, podendo assim estabelecer uma comparação dos resultados dos testes com
as visões normativas. Entendemos que o uso do pronome “SE” no âmbito da
normatividade acaba por dificultar ou confundir a pessoa quando ela se defronta
com as ditas regras da sua utilização.
PALAVRAS-CHAVES: Pseudopassivas Sintéticas. Normatividade. Descrição e
Análise Linguística. Testes de Gramaticalidade.
INTRODUÇÃO
Este trabalho assenta-se na pesquisa
do uso da Partícula “SE" ou pronome “SE” enquanto pronome apassivador, nas
abordagens normativa e descritiva da gramática e na intuição dos falantes
nativos do português brasileiro (PB). Ao contrapor duas visões, a normativa e a
descritiva, compreendemos que a abordagem normativa, segundo Mioto, Silva e
Lopes (2007), pode ser entendida como o conjunto das regras "do bem falar
e do bem escrever". Consequentemente, se uma sentença se conforma ao
padrão, ela é considerada "certa", caso contrário é
"errada". Isso implica conceitos quase estéticos: se a estrutura está
"certa", é considerada "bonita", se não é "feia".
Ainda, podemos ver, então, como essa definição de gramática, explica inclusive
o seu caráter prescritivo: não fale/escreva assim, porque é errado. Se não o
fizermos, além de estarmos falando errado, estamos "empobrecendo a
língua", "maltratando o idioma", "fazendo doer o
ouvido". Notemos que a gramática normativa trabalhará com as noções de
certo e errado segundo as construções se conformem ou não a esse ideal de
correção linguística: é um receituário de um pretenso bem falar/escrever.
Enquanto que a visão descritiva, de acordo com Mioto, Silva e Lopes (2007), é
aquela que tem a ver com o conhecimento que o falante tem de sua língua
materna, independentemente de ter tido aulas de português na escola ou de
conhecer a Nomenclatura Gramatical Brasileira. Nesta concepção de gramática,
como conhecimento internalizado, então, não há lugar para os conceitos de
"certo" e "errado" baseados exclusivamente em uma norma
padrão.
É esta noção de certo e errado que
faz equivocadamente considerar-se o pronome SE como passiva sintética, ao invés
de ser considerada simplesmente sujeito, como propõe Bagno (2010). Neste
sentido, objetivamos, nesta pesquisa, a analisar as “Pseudopassivas sintéticas”
numa contrapartida sócio descritiva , em que questionaremos o “SE” e a sua
função como item da oração passiva sintética, seguido também da análise dos
dados ligados à intuição dos pesquisados, através de testes de
gramaticalidade/aceitabilidade de falantes nativos do PB. Buscaremos entender em pesquisa posterior
sobre o uso de Pseudopassivas sintéticas na língua escrita.
METODOLOGIA
A metodologia que orienta este trabalho é um
modelo de pesquisa descritiva que busca analisar as gramáticas particulares de
cada língua através da intuição dos falantes, conforme fundamentos da sintaxe
gerativa de Chomsky, considerando além dos fatores linguísticos, as influências
de fatores socioculturais a que a linguagem humana está submetida, estas últimas
de cunho sociolinguístico.
Assim, o corpus foi constituído por
enunciados escritos com estruturas SE como passivas sintéticas aplicados a um
total de 20 estudantes, na faixa etária de 18 anos a 35 anos de idades,
pertencentes a UNILAB, uma universidade federal presente nos municípios de
Acarape e Redenção. De tal forma, seguindo o modelo de Marcos Magno (2005), a
tabela sobre a qual foram escritas as frases do teste foram expostas de maneira
intercalada com os verbos no plural e no singular, a fim de que, os estudantes
não percebessem a nossa intenção como pesquisadores concernentes à observação
de alguns fatos ligados à intuição de falante nativo do português brasileiro
(PB). Foram selecionados estudantes distribuídos entre quatro cursos,
nomeadamente: engenharias de energias, enfermagem, administração pública e
humanidades e nestes cursos foram escolhidas 10 pessoas do sexo masculino e 10
pessoas do sexo feminino, todos residentes nos municípios-sede da universidade,
localizados a 59,15 km e 62,36 km de Fortaleza. A escolha por estudantes a
partir da graduação deve-se ao fato de que aventamos a hipótese de que,
provavelmente, boa parte dos estudantes universitários que se encontra em
graduação ainda fica indecisa em certas habilidades relativas ao uso da
partícula “SE”. Além disso, acreditamos que universitários têm maior
conhecimento da norma culta e a questão é se esse conhecimento terá influência
no resultado de nossa pesquisa.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
De
acordo com as gramáticas normativas (Cunha e Cintra, 2008; Bechara, 2006), a
voz passiva sintética é formada por um verbo transitivo direto na 3º pessoa,
acompanhado do pronome apassivador “SE”. Na passiva sintética, o agente da
passiva nunca aparece, e o sujeito sempre vem depois do verbo. Vejamos
no exemplo: “Vende-se casas!. Vende - verbo
transitivo direto (3ª pessoa) se = pronome apassivador.
A voz passiva analítica é formada
normalmente pelo verbo auxiliar ser seguido de um verbo no particípio,
acompanhado ou não do agente da passiva. Como
por exemplo: “As
casas são vendidas”. As casas= sujeito paciente; são
vendidas = verbo ser mais verbo no particípio /agente da passiva analítica.
Em contrapartida a essa visão
normativa, Bagno (2005) afirma que o problema se prende à própria natureza do
fenômeno gramatical chamado passividade: as construções tradicionalmente
classificadas como “passivas sintéticas” são de fato passivas? Na tentativa de
mostrar que não são passivas, o autor dedica a este problema uma investigação
linguística um pouco mais demorada e pormenorizada. O problema de classificação
da partícula SE nas orações chamadas “passivas sintéticas” ou “passivas
pronominais” como elemento apassivador é que, Bagno (2005) com base em Monteiro
(1991) e Said Ali (1919), decide, em nome do bom-senso, por atribuir-lhe um
incontestável fundo de sujeito. O que
a GT afirma ser uma a voz passiva sintética, caso de exemplo como “vende-se
casas” não passam da voz ativa com sujeito
indeterminado, a razão pela qual o citado autor nomeou-as de “pseudopassivas
sintéticas”.
Ainda, com Bagno (2001), a gramática
prescritiva separa os critérios sintáticos e semânticos no momento da
classificação do pronome “SE”, sendo que o aspecto semântico sistematicamente
desprezado pelos normativistas é que, em todas as orações deste tipo, os verbos
presentes são sempre verbos que só podem ser praticados por um sujeito com traço
semântico [+humano], ou seja, só seres humanos leem jornal, alugam casas,
vendem casas, precisam de empregos, dão as aulas particulares de português etc.
Levando em conta o objetivo deste
trabalho, elaboramos o teste de gramaticalidade relativo ao uso de “SE” como
passiva sintética, no qual os sujeitos pesquisados tinham de responder à
seguinte questão: Qual destes enunciados abaixo você aceita como sendo parte da
língua usada por você no dia a dia? Os pesquisados tinham de responder: SIM,
TALVEZ e NÃO, com orientações de dar respostas o mais fiel possível à sua
realidade linguística, não devendo confundir o teste como um teste de correção
gramatical. SIM significa para o usuário do PB pesquisado de que a construção é
gramatical, no sentido cognitivo e chomskyano; TALVEZ significa dúvida, mas
também um estranhamento; NÃO significa a agramaticalidade do enunciado,
geralmente assinalado na sintaxe gerativa por *. Os enunciados contidos no
questionário foram os seguintes:
(1a). Já não se faz mais filmes como antigamente.
(1b). Já não se fazem mais filhos como antigamente.
2a). Aluga-se apartamentos.
(2b). Alugam-se apartamentos.
(3a). Vende-se casas.
(3b). Vendem-se casas.
(4a). Passa-se roupas.
(4b). Passam-se roupas.
(5a). Dá-se aulas particulares de português.
(5b). Dão-se aulas particulares de português.
(6a). Faz-se análises.
(6b). Fazem-se análises.
Perceba-se que os primeiros
enunciados (1a, 2a, 3a, 4a, 5a e 6a) dizem respeito à forma padrão, e os
segundos (1b, 2b, 3b, 4b, 5b e 6b), à variante no plural. Nesta pesquisa, os dados obtidos foram apresentados em forma
de tabela, assim respeitando a estrutura do teste aplicado, sobretudo de
maneira a poder adequar ao objetivo deste trabalho.
Tabela-1 Frequência
de respostas: números e porcentagens – sexo feminino
Enunciados
|
SIM
|
TALVEZ
|
NÃO
|
1. Já não se faz mais filmes como
antigamente.
|
3-30%
|
3-30%
|
40%
|
2. Já não se fazem mais filmes
como antigamente.
|
6-60%
|
2-20%
|
2-20%
|
3. Aluga-se apartamentos
|
9-90%
|
1-10%
|
0-0%
|
4. Alugam-se apartamentos.
|
2-20%
|
3-30%
|
5-50%
|
5. Vende-se casas.
|
8-80%
|
2-20%
|
0-0%
|
6. Vendem-se casas
|
3-30%
|
3-30%
|
4-40%
|
7. Passa-se roupas.
|
8-80%
|
0-0%
|
2-20%
|
8. Passam-se roupas.
|
2-20%
|
1-10%
|
7-70%
|
9. Dá-se aulas particulares de
português.
|
6-60%
|
2-20%
|
2-20%
|
10. Dão-se aulas particulares de português
|
3-30%
|
5-50%
|
2-20%
|
11. Faz-se análises
|
10-100%
|
0-0%
|
0-0%
|
12. Fazem-se análises
|
0-0%
|
7-70%
|
3-30%
|
Na tabela 1, analisando os índices de aceitação (SIM) das
frase com SE com o verbo no singular
(forma padrão) ou com o verbo no plural (forma não-canônica), percebemos que as
respondentes que se identificaram como mulheres aceitam mais a norma padrão,
quando comparadas aos respondentes identificados como do sexo masculino, se
observarmos a tabela a seguir.
Tabela-2 Frequência de respostas: números e porcentagens –
sexo masculino
ENUNCIADOS
|
SIM
|
TALVEZ
|
NÃO
|
1- Já não se faz mais filmes como antigamente.
|
5-50%
|
2-20%
|
3-30%
|
2. Já não se fazem mais filmes como antigamente.
|
2-20%
|
5-50%
|
3-30%
|
3. Aluga-se apartamentos.
|
5-50%
|
2-20%
|
3-30%
|
4.Alugam-se apartamentos.
|
3-30%
|
5-50%
|
2-20%
|
5.Vende-se casas.
|
7-70%
|
2-20%
|
1-10%
|
6. Vendem-se casas.
|
1-10%
|
3-30%
|
6-60%
|
7. Passa-se roupas.
|
5-50%
|
2-20%
|
3-303%
|
8. Passam-se roupas.
|
2-20%
|
2-20%
|
6-60%
|
9. Dá-se aulas particulares de português.
|
4-40%
|
1-10%
|
5-50%
|
10. Dão-se aulas particulares de português
|
1-10%
|
2-20%
|
7-70%
|
11. Faz-se análises.
|
4-40%
|
3-30%
|
3-30%
|
12. Fazem-se análises.
|
4-40%
|
2-20%
|
4-40%
|
No caso dos respondentes que se
identificaram como do sexo masculino, o índice de aceitação do pronome SE como pronome
apassivador (forma padrão) é quase sempre menor do que o das respondentes do
sexo feminino, indicando talvez que respondentes do sexo masculino estão mais
abertos a outras possibilidades do uso do pronome SE não somente como
apassivador. Parece que intuitivamente e inconscientemente os participantes de
sexo masculino pesquisados se questionam mais quanto ao uso da forma padrão,
pois geralmente o índice de estranhamento (TALVEZ) e rejeição (NÃO) é maior do
que nas mulheres.
CONCLUSÃO
Nossa intenção nesta pesquisa foi
analisar como a afirmação de Bagno (2005) - de que o pronome SE de orações
passivas sintéticas na realidade são sujeitos do enunciado e não pronome
apassivador - é percebida na intuição dos falantes do português brasileiro
(PB). O autor em sua reflexão sobre o assunto, chega a chamar essas orações de
pseudopassivas sintéticas.
Para os fins de nossa pesquisa,
distribuímos 20 testes de aceitabilidade com frases em que o pronome SE estava
presente em contexto de passivas sintéticas padrão (verbo no singular) e
não-padrão (verbo no plural) a 20 estudantes universitários da Unilab,
divididos igualmente entre respondentes do sexo feminino e do sexo masculino,
moradores da cidade de Redenção e Acarape, municípios do estado do Ceará onde a
Universidade está sediada.
Os resultados mostraram que as
respondentes que se identificaram como mulheres tendem a aceitar mais a norma
padrão, com um índice percentual maior de aceitação (SIM) das frases em
contexto de passivas sintéticas em que o SE vem acompanhado de verbo no
singular (forma canônica), ao passo que os respondentes que se identificaram
como homens tendem a ter uma índice de aceitação um pouco menor da forma
canonizada, escolhendo respostas como TALVEZ (estranhamento) ou NÃO (rejeição)
com mais frequência do que as mulheres no que se refere à norma padrão. Isso
indica por parte dos homens um estranhamento intuitivo e, quem sabe,
inconsciente, de questionamento da legitimidade das formas canônicas. Isso
aponta talvez para um processo de mudança (gramaticalização) na forma de se ver
o SE como sujeito no enunciado e não meramente um indicador da forma passiva
sintética em PB.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Deus aos nossos
colegas estudantes da UNILAB, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira que contribuíram em responder os nossos questionários, obrigado
a todos. E aos nossos familiares, amigos/
amigas, colegas, em especial, Prof. Dr. Sérgio de Moura que tornou possível a
materialização desta pesquisa, o nosso muito obrigado.
Referências
BAGNO, Marcos. Português
ou Brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2001)
BAGNO, Marcos. Dramática
da língua portuguesa tradição gramatical, mídia & exclusão social.3ª
ed. São Paulo: Loyola, 2005.
BECHARA, Evanildo. Gramática
escolar da língua portuguesa. 1ª. ed. 6ªreimpr. – Rio de Janeiro: Lucerna,
2006.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 3ª. ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2008.
[1] Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Graduando do Curso de
Letras/Português. E-mail: eusebiodjuannan@gmail.com
[2] Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Graduando do Curso de
Letras/Português. E-mail: jose77lino@gmail.com
[3] Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Orientador da pesquisa e docente do
Instituto de Humanidades e Letras. E-mail: sergio@unilab.edu.br
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